Artigos

A geração que não quer carteira assinada

A busca por uma falsa sensação de liberdade no trabalho pode custar caro

A geração que não quer carteira assinadaPor décadas, conseguir um emprego com carteira assinada era sinônimo de sucesso. Significava ter estabilidade, direitos garantidos, um futuro minimamente previsível. Hoje, para muitos jovens, isso soa quase como uma prisão. “Não quero chefe”, “Prefiro empreender” e “CLT não combina comigo” são frases que a gente ouve a toda hora.

Essa mudança não representa apenas uma birra geracional. Ela está profundamente conectada aos valores da geração Z e de parte dos millennials — jovens que cresceram vendo seus pais se dedicarem a empresas que, no final, não retribuíram com lealdade. É natural que essa geração busque algo diferente: mais autonomia, mais propósito, mais equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

A questão é que, no meio desse desejo legítimo por liberdade, muitos estão sendo empurrados (ou se jogando) em uma realidade marcada pela precarização do trabalho. O sonho de ser “dono do próprio tempo” frequentemente vira um pesadelo de jornadas exaustivas, renda instável e ausência total de proteção social.

Influenciadores digitais alimentam o imaginário de que autonomia, flexibilidade e liberdade financeira são escolhas simples e acessíveis para todos. Porém, como alertou o antropólogo norte-americano David Graeber, “apesar de o empreendedorismo ser vendido como libertador, ele frequentemente é apenas o novo nome da insegurança econômica”.

“Apesar de o empreendedorismo ser vendido como libertador, ele frequentemente é apenas o novo nome da insegurança econômica”.                  David Graeber, antropólogo norte-americano.

Muitos profissionais jovens estão atuando como freelancers, MEIs ou autônomos em condições piores às de um empregado formal. Eles não têm férias, 13º salário, FGTS e, tampouco, estabilidade. Trabalham sem saber quanto vão ganhar no fim do mês — e com o agravante de que, se ficarem doentes, não há nenhuma rede de proteção.

Estamos assistindo ao surgimento do que o economista britânico Guy Standing chamou de precariado: uma nova classe de trabalhadores que vive na corda bamba, sem garantias, acumulando bicos e angústias, muitas vezes disfarçadas com filtros bonitos no Instagram.

Isso não quer dizer que a carteira assinada seja perfeita ou que todos devam seguir esse modelo. Pelo contrário. O mercado de trabalho precisa, sim, ser reinventado. A rigidez da CLT, os modelos de controle ultrapassados, a falta de propósito em muitas empresas — tudo isso contribui para a rejeição atual. Mas o que está se colocando no lugar, em muitos casos, não é evolução. É um retrocesso com cara de modernidade.

É hora de discutirmos com seriedade essa escolha crescente por “não querer CLT”. Trata-se mesmo de liberdade? Ou de uma falsa autonomia que esconde a insegurança de um sistema que transfere todos os riscos para o trabalhador?

Liberdade verdadeira só existe quando há alternativas reais. Quando você pode escolher sem medo de passar fome no fim do mês. Quando trabalhar por conta própria é uma opção, e não a única saída para escapar de empregos ruins.

Empreender pode ser lindo, inspirador, transformador. Mas também pode ser solitário, cansativo e injusto, principalmente quando falta apoio, capacitação e uma rede mínima de proteção. Recusar a CLT não é o problema. O problema é romantizar a ausência de direitos.

Ser dono do próprio tempo é maravilhoso desde que você ainda consiga pagar o próprio aluguel.

banner caput

Wellington Moreira

Palestrante e consultor empresarial especialista em Formação de Lideranças, Desenvolvimento Gerencial e Gestão Estratégica, também é professor universitário em cursos de pós-graduação. Mestre em Administração de Empresas, possui MBA em Gestão Estratégica de Pessoas e é autor dos livros “Como desenvolver líderes de verdade” (Ed. Ideias e Letras), “Líder tático” e “O gerente intermediário” (ambos Ed. Qualitymark).

Veja mais conteúdos

Nossos serviços

Icone Branco Caput Consultoria

Fale com um
especialista
agora mesmo!

Pronto para impulsionar sua Liderança?