Apesar de a misantropia ser um grave problema em muitas organizações, o tema geralmente passa despercebido na maior parte delas porque, entre outras coisas, ainda falamos pouco a respeito deste fenômeno no mundo corporativo.
Bem, então “vamos começar do começo”, como diria o matuto. Misantropia é a antipatia ou desprezo generalizado pelo ser humano e suas ações e motivações. Um sentimento que se manifesta desde o ceticismo em relação às boas intenções de alguém até o isolamento social completo por desacreditar na humanidade.
Na obra-prima “Os Miseráveis“, de Victor Hugo, a misantropia é revelada de maneira marcante no personagem Javert, um inspetor de polícia implacável e rígido que demonstra como a desconfiança e a repulsa pela humanidade podem se enraizar profundamente em um indivíduo.
Sua visão de mundo é binária, dividida entre o bem e o mal absolutos, sem espaço para nuances ou a compreensão das complexidades humanas. Esse rigor extremo deriva da sua própria experiência de vida (o pai ficou preso grande parte da existência e a mãe era prostituta) e foi moldado por uma sociedade que ele enxerga como permanentemente corrupta e imperfeita.
A abordagem de Javert às suas responsabilidades como policial é implacável e desumana. Ele persegue o personagem central Jean Valjean (encarcerado ao longo de anos por ter roubado um simples pão) com uma determinação que ultrapassa o mero cumprimento do dever, evidenciando sua descrença na redenção humana.
Para Javert, uma vez que alguém é marcado pelo crime, essa pessoa está irremediavelmente condenada. Sua misantropia, portanto, fundamenta-se no conceito de que o ser humano é incapaz de transcender suas falhas, e essa visão pessimista se manifesta em sua falta de empatia e compaixão.
Nas empresas, o líder misantropo se assemelha a Javert quando:
- Duvida que as pessoas são capazes de evoluir. É só alguém melhorar a sua conduta e ele logo dirá: “Isso é comportamento ‘fogo de palha’. Logo volta a ser a mesma pessoa de antes”. Não acredita que o ser humano amadurece.
- Prefere a vigilância generalizada. Cria controles rígidos com o intuito de mensurar a produtividade, bloquear o acesso a sites ou monitorar e-mails do colaborador simplesmente porque entende que jamais pode confiar nos liderados.
- Adota uma postura crítica e punitiva. Repreende o liderado por um erro menor durante uma reunião de equipe, em vez de discutir a questão em particular, apenas para produzir um ambiente de medo e humilhação, por exemplo.
- Ignora quem entrega mais do que o combinado. Mesmo quando as pessoas atingem metas importantes, evita reconhecer o sucesso delas, minimizando suas realizações e motivações. Está preparado para flagrar pessoas fazendo coisas erradas – e só.
- Não promove o desenvolvimento profissional. Vê programas de treinamento como desperdício de tempo e recursos. “Não vale a pena investir nisso”, diz. Afinal, acredita que os funcionários devem se virar com as habilidades que já têm ou eles mesmos pagarem pela própria formação.
É normal você ficar chateado com pessoas que o decepcionam, especialmente quando esperava muito delas. Porém, adotar uma perspectiva pessimista sobre a natureza humana e a própria sociedade por causa disso é, no mínimo, burrice.